´A sociedade ainda não consegue enxergar o que fazemos dentro da UESC´

Guilhardes Junior
Divulgação

A Universidade Estaual de Santa Cruz está entre as 40 mais importantes do Brasil. Situada entre os pólos urbanos de Ilhéus e Itabuna, em Ilhéus, a quase 500 quilômetros de Salvador, tem como área geoeducacional, além da região centrada nesses pólos, a região do Extremo-Sul da Bahia. A UESC faz-se, portanto, posiciona-se como grande centro irradiador de cultura e, mais que isso, de esperança para o desenvolvimento regional de todo o sul baiano.

A eleição, para a escolha do seu futuro reitor , está próxima. Nomes começam a se apresentar, colocando-se como opção para gerir os destinos de uma das mais importantes universidades públicas do nordeste brasileiro.

Um deles é o professor Guilhardes de Jesus Júnior.  Mestre e Doutor em Desenvolvimento e Meio Ambiente - UESC/PRODEMA, Professor Adjunto - UESC, Diretor do Departamento de Ciências Jurídicas da UESC e Docente do Programa de Pós-Graduação (Mestrado) em Economia Regional e Políticas Públicas (PERPP/UESC), o professor concedeu uma entrevista exclusiva ao Jornal Bahia Online.

Nela, fala nas propostas que tem para a instituição, faz análise sobre a participação da UESC no contexto regional e diz, inclusive, que a greve enfrentada hoje pela instituição é justa. Para Guilhardes, "o sentimento é de que nos encontramos órfãos, diante do silêncio de várias pessoas que poderiam ser nossa voz perante o governo do estado".

Professor Guilhardes abre o jogo. Vale a pena conferir logo abaixo.

 

 

O que representa hoje a Uesc para o sul da Bahia?

A UESC é a mais antiga instituição de ensino superior de nossa região, e tem 60 anos de existência, quando levamos em conta a fundação das Faculdades isoladas que deram origem inicialmente à FESPI e depois à UESC. Por causa disso carrega uma imensa responsabilidade e expectativas relativas à sua atuação e às suas potencialidades enquanto instrumento indutor de desenvolvimento regional. Nesses anos formou atores sociais em níveis de graduação e pós-graduação. Desenvolve pesquisas e divulga o conhecimento elaborado por meio da extensão articulada com órgãos públicos, iniciativa privada e sociedade organizada. Isso sem levar em conta o aspecto econômico visualizado na injeção de divisas no mercado local por meio do pagamento de salários dos servidores, bolsas a estudantes de graduação e pós-graduação, bem como a contratação de serviços. Então, falar da importância da UESC leva-nos à reflexão de tudo o que sua existência já representou no passado e pode influenciar no futuro, tanto nos aspectos acadêmicos quanto nas questões políticas e econômicas.

O senhor não acha que o muro que separa a Uesc do restante da região ainda é alto demais para contribuir de forma mais presente na solução dos problemas regionais?

Não há como negar a existência de um certo distanciamento entre a academia e a sociedade, e também não se pode imputar essa fragilidade somente à UESC. Infelizmente esse fenômeno é atemporal e transcende nosso espaço. A nossa busca constante é a superação dessa limitação. Isso já está previsto há mais de vinte anos, nos nossos documentos fundantes, como a Carta-Consulta para seu reconhecimento, que já apontava a intersubjetividade emancipatória como ponto fundamental de sua atuação, tendo três eixos norteadores: cidadania, democracia e autonomia. O que precisamos agora é retomar caminhos ali apontados e construir uma relação de maior pertinência e identidade com nossa comunidade de entorno.

O que mudou positiva e negativamente na instituição nas últimas décadas?

Penso que o aspecto mais positivo dessas duas décadas e meia de existência como Universidade Pública foi a formação em alto nível de pessoas, em número cada vez mais crescente, por meio do aumento da oferta de vagas na graduação e implantação dos programas de pós-graduação. Isso se fez a partir da atração de novos professores altamente qualificados, a qualificação dos docentes que já estavam na casa, a realização de concursos públicos para o corpo técnico-administrativo que modificou profundamente o perfil desse segmento, bem como a democratização do acesso e permanência do corpo discente. Claro que esse crescimento traz também novas demandas, nem sempre atendidas da maneira mais esperada. Ainda deixamos a desejar na nossa comunicação institucional, de forma que a universidade faz muito, produz assustadoramente, mas a sociedade pouco sabe do que efetivamente realizamos. O “muro” do qual você falou anteriormente, se reveste de uma simbologia incômoda à medida que as pessoas que estão à nossa volta não conseguem enxergar o que nós fazemos dentro dos nossos pavilhões.

Qual a realidade da educação superior hoje no sul da Bahia?

Uma realidade difícil tanto para as instituições públicas, que experimentam ataques orçamentários e morais dos governos, quanto para as particulares, que sofrem os efeitos de uma economia estagnada e que dificulta a capacidade das pessoas em honrar os compromissos com pagamento de mensalidades. Mas em contrapartida essa situação também favorece a cooperação institucional na busca de soluções, e é nisso que eu aposto. Temos três instituições públicas (UESC, UFSB e IFBaiano/Uruçuca) muito próximas, e cinco instituições privadas de ensino superior presencial no eixo Ilhéus-Itabuna, fora o ensino técnico estadual, federal e privado. Nosso potencial é enorme, se levarmos em conta a proximidade geográfica e as semelhanças nos objetivos institucionais. Se conseguirmos compreender as demandas dos nossos municípios e comunidades, veremos que temos muito trabalho a fazer: juntos, articulados e focados na meta, que é o processo de desenvolvimento regional.

E a greve que no momento ocorre?

Estamos vivendo um momento bastante difícil, pois de um lado temos as necessidades não só de docentes, mas de todo o corpo de servidores públicos, que nesse caso falamos especificamente da UESC, e de outro lado um discurso de dificuldades financeiras de nosso mantenedor, o Estado. Nesse movimento, chegamos até uma conjuntura muito adversa, que foi o corte dos salários de uma categoria em greve legítima para garantia de direitos previstos em lei. Além das perdas de quatro anos sem qualquer reajuste inflacionário, nossos processos de promoção na carreira se encontram parados, direitos foram retirados, contribuição previdenciária aumentada e até a assistência à saúde por meio do Planserv se encontra estagnado. Nosso sentimento é de que nos encontramos órfãos, diante do silêncio de várias pessoas que poderiam ser nossa voz perante o governo do estado. Mas certamente ao término dessa greve teremos tirado importantes lições, inclusive na identificação de quem realmente está do nosso lado, o que poderá ter repercussões futuras.

O senhor já foi presidente do Centro Acadêmico de Direito e também do DCE. Portanto, universidade, para além de estudar, deve incentivar o exercício da atividade política? Isso contribui na formação do cidadão que se prepara para o mercado de trabalho?

Sem dúvida. Nesse caso, leia-se aqui a formação política, não necessariamente partidária (o que não se pode rechaçar, posto ser escolha individual). É preciso compreender que o processo de ensino-aprendizagem é um ato político. A oferta e manutenção de uma política pública importante como o ensino superior e todas as suas consequências são atos políticos. Fazer pesquisa, difundir conhecimento pela extensão são escolhas políticas. Isso eu compreendi no movimento estudantil e venho experimentando na minha vida pessoal e na vida de tantas pessoas que têm passado pela Universidade em todos esses anos.

Por lá o senhor também foi também servidor técnico administrativo e iniciou a carreira docente como professor substituto. Qual hoje o nível da educação oferecida pela instituição?

Eu diria que estamos em alto nível. Basta verificar o posicionamento da UESC em vários índices de qualidade acadêmica, e principalmente na posição profissional de um sem número de egressos e egressas, que estão na região, em outros lugares do país e no exterior. Temos pesquisadores e extensionistas de ponta. Um parque tecnológico instalado invejável. Se estou satisfeito? Claro que não! Explico afirmando que a Universidade é o espaço por excelência da insatisfação, não no sentido de reclamação, mas nos aspectos da busca pela renovação, da superação do estado atual do conhecimento, da inovação tecnológica. A ciência só se desenvolve se houver o espaço da não acomodação. É assim que penso.

O que te leva a pleitear a reitoria da Uesc?

Um sentimento enorme de responsabilidade e pertencimento. Vou responder essa pergunta com um questionamento que me foi feito por um amigo dia desses: “o que você seria sem a UESC?”. Essa pergunta me fez refletir profundamente no que a UESC significa pra mim em termos de identidade com seu desenvolvimento institucional. Além disso, não posso desprezar os papéis que já desempenhei nos três segmentos tradicionais de sua comunidade, como estudante, servidor técnico e como professor. Nos últimos oito anos, por exemplo, tenho atuado diretamente na gestão da área de Direito, tanto nas questões administrativas quanto pedagógicas em Departamento e Colegiado, as instâncias executivas e deliberativas da administração setorial da Universidade, o que em termos de experiência contínua me confere uma excepcional potencialidade para o conhecimento e sensibilidade em buscar soluções criativas para as demandas atuais em um contexto bastante difícil da Universidade enquanto instituição.

Quais os apoios que estão sendo firmados para a concretização disto?

Me considero um pré-candidato de base. Temos, enquanto grupo de apoio, buscado ampliar na comunidade o número de pessoas dispostas a buscar mudanças no modo de enxergar a gestão universitária. Nesse bojo, vamos aos poucos sensibilizando diretores, coordenadores, lideranças de técnicos e de estudantes dos mais diversos cursos da Universidade.

Caso eleito reitor, o que precisa mudar, avançar, na instituição?

Sendo bem coerente com minha história de vida e exercício de gestão, tenho compreendido que é preciso olhar para as pessoas. São elas que fazem a instituição acontecer e se desenvolver. Para isso necessitamos ter um olhar especial sobre os segmentos que fazem parte do nosso cotidiano, que não se resumem em estudantes, docentes e técnicos. Temos ainda os terceirizados que prestam seus serviços no campus, temos a comunidade externa (egressos, potenciais ingressantes, comunidades, prefeituras, fornecedores diversos). Como lançar o olhar sobre suas demandas, interesses, direitos e necessidades? Como garantir os pilares de cidadania, democracia e autonomia lançados em nossos documentos fundantes? Como se fazer representante legítimo desses interesses complexos perante o governo que nos sustenta? São questionamento que precisam ser respondidos, para os quais não há respostas prontas, mas um fazer, um caminhar, que se constrói a muitas mãos. Temos ainda cinco meses para a elaboração de uma proposta de campanha e de gestão, e vamos dialogar muito para apresentarmos a toda a comunidade um documento que seja muito ético, muito centrado, equilibrado, coerente com a conjuntura que estamos vivendo e com os ideais que nos movem.